Entrudanças.2018
Água
A água… a fonte fresca de todas as manhãs… a chuva cadenciada regando os campos sedentos… a água de abril, águas mil… a água fonte de toda a vida. Ela é a referência de todos os dias na nossa vida. Dentro e fora de nós. O banho, o copo de água, a água para a comida. A água que falta na barragem, os jardins que têm de ser regados… 

A água é nos tempos de hoje título incessante nos meios de comunicação social. Mas esse não é um facto exclusivo dos nossos dias. Todas as grandes civilizações da Antiguidade tiveram a sua origem junto aos grandes rios. No conhecimento e aproveitamento do regime dos rios. 
No Nilo e no Vale do Indo as cheias traziam as águas e as terras de aluvião que garantiriam colheitas ricas e regulares. Na Mesopotâmia, extensos e complexos sistemas de canais de irrigação geriam as águas do Tigre e do Eufrates. Nos Andes a canalização do rio Catari criou um fascinante sistema de drenagem dos campos preparados para o cultivo intensivo.

Mas o domínio da água está na base de alguns dos actuais conflitos mais graves. A água que Tlaloc, o deus asteca da chuva e do trovão, domina e gere. Assim como Enki, o deus sumério das águas. Ou o mais simples, mas não menos importante Chalchiuhtlicue, que entre os astecas era o patrono dos carregadores de água. 
A água é também a responsável pelas grandes transformações urbanísticas como são os exemplos do sistema que em torno de Lisboa alimentam o Aqueduto das Águas Livres que transformou a capital do reino. Ou a dos simples sistemas de irrigação, alimentação de banhos e abastecimento das grandes villae romanas a partir de barragens e nascentes que há dois mil anos modificaram as planícies deste Sul transtagano. 

Mas a água é sobretudo representada no gesto simples do hortelão a regar ao pé as plantas que leva à mesa. Associado a ela há um sem número de marcas de uma linguagem feita no esforço milenar de humanização de um território que chegou aos nossos dias e de que Alqueva é o exemplo mais sofisticado e provocador de uma das mais profundas alterações paisagísticas jamais ocorridas em Portugal.

Símbolos da água são os poços, levadas, moinhos, terraços, regatos… e a nora, tantas vezes cantada pelos poetas… Técnicas e engenhos criados pelo homem para aproveitar o líquido precioso. Da simples poça ou tanque para onde caía inda de nascentes nos flancos dos montes ou dos pequenos cerros pedregosos; da pequena mina ou fonte que depois servia para o regadio da pequena horta até à cegonha ou picota, símbolos meridionais do domínio da água. 

A água é a memória de uma comunidade e o motor da clepsidra que marca o tempo. Como aqui, em Entradas, nas margens do Terges, a fonte do ti Linhas é ainda hoje uma referência temporal e geográfica de um território. Assim como a “enfusa”, a “quarta” e o barril onde a água armazenada e conservada fresca matava a sede de todos os dias. 

E tantas vezes vai o cântaro à fonte que...

Texto Miguel Rego
As nuvens que andam no ar
Arrastadas pelo vento
Foram buscar água ao mar
P’ra regar em todo o tempo


P’ra regar em todo o tempo
Em todo o tempo regar
Arrastadas pelo vento
As nuvens que andam no ar


in Cancioneiro Tradicional